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5 de fev. de 2014

Crítica: Apenas uma vez

Antes de tudo, uma breve introdução: A crítica sempre me cativou, mesmo eu achando que não levo jeito. Essa foi a primeira que fiz "levando à sério" (para uma disciplina que estou tendo atualmente, Estética e Linguagem do Audiovisual), abordando os aspectos audiovisuais do filme "Once (Apenas uma vez)" - escolhido por mim, por ter rodado no meu DVD umas vinte vezes. Não consegui uma nota 10 com ela (8,5), mas foi escrita com tanto carinho que resolvi compartilhar, espero que gostem. 

"Dirigido e escrito por John Carney, Once é de início, um filme despretensioso. Filmado em 17 dias e com uma câmera digital, é o tipo de produto audiovisual que aproxima quem assiste, mostrando que basta apenas uma boa ideia para um filme “funcionar”. Mas existem duas coisas que todos devem saber antes de assisti-lo: a primeira é que não é um musical, mas envolve muita música; a segunda é que não é nenhum sucesso de bilheteria americano, que arrastou milhares pro cinema. E essas duas coisas não atrapalharam a genialidade do conjunto (roteiro, fotografia, trilha sonora, diálogos, atuações, etc.). Como eu disse de início, Once é despretensioso e esse pequeno filme irlandês certamente não tinha a intenção de faturar um Oscar de Melhor Canção Original em 2008 – mas faturou.
A câmera trêmula no começo pode parecer um erro, eu prefiro imaginar que foi proposital, cumprindo o papel de aproximar o filme e a vida real. Foi assim que encarei: uma cena, um estranho gravando, não-figurantes ao redor...tudo para fazer do filme o mais realista possível. Glen Hansard e Marketa Irglová eram dois estreantes na época em que o filme foi gravado (2006), mas seus rostos desconhecidos me remetiam à mesma ideia: duas pessoas comuns, encontrando-se numa rua comum e desenrolando uma trama comum. Sim, o roteiro de Once parece com tantos outros, porque nada mais é do que mostrar um romance não concretizado, repleto de “e se...” e dúvidas sobre o que os personagens realmente sentiam – amor? Paixão? Admiração? Carinho? Amizade?
Ela trabalha vendendo flores e revistas (e fazendo faxinas de vez em quando), ele conserta aspiradores de pó na loja do seu pai (mas toca violão na rua para conseguir um dinheiro extra). Ela toca piano numa loja de instrumentos musicais na hora do almoço, ele compõe músicas lindas para um amor antigo. E toda a química entre eles pode ser sentida na cena da música “Falling Slowly”, quando ela empresta sua voz para cantar uma música que ele provavelmente fez para sua ex; nessa cena, aliás, ele é o destaque de início...mas a posição da câmera muda, e em determinado momento, ela assume a frente – como num jogo de encaixe. A música é o diálogo no momento, e nos versos “I don’t know you/but I want you/All the more for that” encaixa-se perfeitamente quando percebemos a admiração que ele cria por ela.
A partir daí, somos presenteados com 13 maravilhosas músicas, atuações reais e cenas de corpo inteiro, como se estivéssemos lá, uma calçada depois, observando dois estranhos aproveitando um determinado momento de suas vidas. Muitas vezes, a torcida é por beijo, ou uma declaração...mas não é sobre isso que Once trata. É sobre encontrar alguém cheio de potencial, é sobre um sentimento não concretizado...e mesmo assim aproveitado. As músicas são o verdadeiro destaque, sobrepondo-se das cenas escuras ou sem cores vivas – reais – e conectando ainda mais aquelas duas pessoas, mas apenas uma vez. Apenas o suficiente para gravarem uma demo e compartilharem algumas experiências – ele para crescer como músico, e ela para valorizar-se musicalmente.
Once não agrada quem procura um filme cheio de ação, pois está nas entrelinhas das cenas trêmulas (que depois de 10 minutos rodados, já não nos incomoda mais), das músicas com melodias e letras (que casam perfeitamente entre si e na história), das pessoas reais que participavam das cenas (não eram figurantes, eram pedestres apenas passando) e da atuação crua dos dois atores principais (tornando o filme real). O impacto de Once é esse: como um filme feito com uma câmera qualquer e sem técnica alguma pôde captar tão bem a essência de duas pessoas e um determinado momento de suas vidas? O enquadramento com eles ao fundo pode não ter sido proposital, talvez fosse instinto; a sensação de estarmos lá, assistindo no lugar da câmera em plano americano pode não ter sido planejado, mas funcionou; as cores escuras e frias do filme podem incomodar no início, porém as músicas preenchem o incômodo. Era um filme que podia dar errado por causa de sua estética, mas funcionou.

Assistir Once me rendeu inúmeras conclusões e meses ouvindo a trilha sonora, mas a principal observação foi: os personagens não possuíam nomes, e isso só ficou perceptível nos créditos; eu não percebi isso durante o filme porque não importava, o que realmente importava era a essência dos dois, estes eram seus verdadeiros “nomes”. Eles podiam ser qualquer pessoa passando por mim numa rua barulhenta, podiam ser eu. O momento podia acontecer de repente com qualquer um. Once é real, fiel em suas cenas, retratando uma pequena parte da vida de duas pessoas sob a visão de uma câmera digital e músicas bem construídas – que substituem diálogos no momento certo, construindo cenas juntamente com a fotografia. Tudo isso faz desse pequeno filme independente, merecedor de atenção."

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